quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Uma chave de linguagem
Em um de seus poemas, mais precisamente em um em que trata da própria poesia, Drumond nos questiona: “Trouxeste a chave?...” Diante desse seu questionamento nos sentimos instigados. Chaves são coisas úteis, pois abrem portas e nos dão passagens por onde antes havia a interdição. Por detrás de uma porta aberta pode estar a esperança de um abraço cheio de saudade, o significado do retorno e do reencontro ou, ainda, uma travessia que se insinua. O fato é que ter a posse de “uma chave” equivale a ter certo poder. O poder de abrir caminhos, desvendar mistérios, revelar enigmas... Abrir uma porta e, de repente, tornar visível o que estava oculto. No entanto, o questionamento de Drumond parece apontar para outro ainda mais fundamental, sendo a fala do poeta uma espécie de entrada para algo de outra ordem: que portas realmente merecem ser abertas? Quais os caminhos, entre muitos, serão capazes de nos seduzir de modo inescapável?
O poeta se vale da poesia para propor uma entrada especial pelos caminhos da busca existencial e identitária. A poesia como palavra-gesto que aponta para um bem valioso que trazemos conosco, embora permaneça, muitas vezes, em estado de segredo. “Trouxeste a chave?” Não qualquer chave, mas a exclusiva, aquela que dá acesso ao nosso tesouro mais pessoal.
Uma leitura possível do verso de Drumond é a de que no questionamento do poeta a linguagem se torna a própria chave a qual se refere. Assim como é característica de toda palavra poética, ela volta-se para si mesma, porém, ao fazer isso, revela uma verdade que a transcende. A palavra poética tem o poder de se confundir com o nome daquele que a lê. Por isso, ao dizer algo de si, diz muito mais sobre o mundo a nossa volta e sobre quem somos.
A palavra poética é esta palavra-chave que nos identifica com o que nos cerca e nos abre aos sentidos do mundo. Apelo irrevogável ao qual não se pode negligenciar, pois nele está o elo mais significativo entre a realidade particular de cada um e a realidade ampla da vida, onde existimos. Essa palavra é a linguagem em sua expressão mais fatal, evidência definitiva de que somos no mundo e na História. Ainda que esse modo de ser não seja uma certeza, mas um questionamento. “Trouxeste a chave?”
É preciso ouvir esse apelo em forma de questionamento. Talvez, por distração ou medo, tenhamos, muitas vezes, deixado de perceber que o poder para abrir a porta que esconde o segredo mais caro esteve sempre conosco. E que essa chave de linguagem a que o poema se refere tenha (por que não?) a forma, o som e o sabor de nossos nomes.
Luís Henrique da S. Novais
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Bom, eu vejo o poema como uma forma de não só abir as portas do leitor mas tamb´pem a nossa pelo fato de muitas das vezes nos identificarmos com o poema, creio eu também que a chave que é citada muitas das veses é oculta e cabe a nós mesmos fazê la aparecer e abrir nao somente o poema quanto a qualquer texto, no caso do poema essa chave seria nossas emoções, ja em um texto seria nosso conhecimento de mundo ou conhecimento universal.
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